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Indústria calçadista revive pesadelo da década de 1990

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ARNON GOMES – BIRIGUI

Um dos principais setores da economia regional, a indústria calçadista vive dilema semelhante ao enfrentado na década de 1990, quando contabilizou mais de quatro mil demissões nos primeiros anos do Plano Real. Economista e mestre em economia pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Araraquara, o professor universitário Marco Aurélio Barbosa, de Birigui, vê possibilidades de recuperação para a crise atual, a qual classifica como “profunda e talvez uma das maiores da história”. Ele acredita que, com a retomada da atividade comercial em junho, será possível neutralizar o impactos negativos dos dois últimos meses, marcados pelo início da quarentena em virtude da pandemia do novo coronavírus. Leia a entrevista abaixo.

 

Neste ano, especialmente por causa da pandemia, já um balanço ou uma estimativa de quantas demissões ocorreram no polo calçadista infantil em Birigui?

Infelizmente, hoje, não há como apontar com precisão e com base em dados de fontes oficiais a situação de fechamento de postos de trabalho nas cidades brasileiras. No começo do ano, o Ministério da Economia iniciou um processo de ajuste no sistema de informação de estatísticas do mercado de trabalho e deixou de publicar e disponibilizar informações preciosas sobre a dinâmica de contratações e demissões nos munícipios. Essa interrupção da série histórica do chamado Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) impossibilita, nesse momento, precisar a situação. Porém, sabemos que a crise é profunda e talvez seja uma das maiores da história. A própria tendência negativa do PIB para 2020 é um termômetro do mergulho recessivo que teremos neste ano e da gravidade da situação. Todavia, a esperança é de que a recuperação seja mais curta e breve se comparada aos ciclos recessivos anteriores.

 

Por que?

Diferentemente do passado recente, a economia brasileira apresentava, antes da crise, fundamentos econômicos sólidos: inflação baixa; taxa de juros (taxa Selic) em seu menor nível desde sua criação; taxa de câmbio favorável aos setores exportadores; contas externas ajustadas; e reservas internacionais que dão segurança do ponto de vista do controle de nossa dívida externa. Temos um mercado interno robusto e uma estrutura produtiva diversificada. O câmbio acima de R$ 5,30 pode, inclusive, desencadear uma espécie de processo de substituição de importação, ou seja, estimular a produção interna de um produto que antes era importado. O país e seus empreendedores podem surpreender positivamente favorecendo a recuperação rápida da economia. Tenho esperança de que, com a liberação do comércio a partir de junho, as engrenagens do sistema econômico voltem a girar alavancando o ciclo de recuperação de nossa economia.

 

No caso do calçado, dá para comparar a atual crise com a dos anos 1990 em quais aspectos?

O Brasil, infelizmente, enfrenta, de tempos em tempos, crises com origens diferentes, ora relacionadas ao cenário externo, ora decorrentes de nossas próprias vulnerabilidades internas. Nos anos 1990, o Plano Real impactou na estrutura produtiva de Birigui em termos de emprego e fechamento de empresas com reflexos profundos na economia local, semelhante à crise que a cidade vem enfrentando hoje. Na época, a chamada âncora cambial, que era um dos instrumentos do Plano Real para combater a inflação, desencadeou a crise na cidade porque houve uma supervalorização do real (US$ 1,00 = R$1,00). Essa valorização barateou as importações de calçados do chamado Sudeste Asiático, em especial, da China, Malásia, Indonésia, Filipinas etc. Os calçados chegavam ao Brasil com preços extremamente competitivos e foram tomando o mercado dos calçados produzidos pela indústria calçadista brasileira. Somada a essa questão cambial, tínhamos também uma taxa básica de juros (Taxa Selic) altíssima de mais de 20% ao ano. Hoje, essa taxa é de 3,0% o ano e deve ser reduzida para 2,25% até final de 2020. Enfim, a crise foi enorme causando a demissão de 34% da mão de obra do setor calçadista, ou seja, 4.711 pessoas, segundo o Caged de 1995. Várias empresas encerraram suas atividades. Até uma carta aberta ao então presidente Fernando Henrique Cardoso e ao ministro da Fazenda, Pedro Malan, foi divulgada e publicada nos grandes jornais do Brasil na época. Entretanto, o setor encontrou caminhos e alternativas, modernizou-se, investiu em qualidade, novas tecnologias, treinamento de mão de obras, maior cooperação entre as empresas e saiu fortalecido da crise. Foi um aprendizado.

 

A superação foi tamanha que a década de 2000 foi um período de crescimento do setor.

Sim, apesar da crise internacional de 2008. Na década passada, até 2014, houve também crescimento. O problema tem início em 2015 com o tombo de nossa economia (recessão de 3,5%) que infelizmente inaugurou um cenário de dificuldades para o setor industrial brasileiro, em especial, para o segmento calçadista. De lá para cá, houve o encolhimento da indústria. A indústria é estratégica para o desenvolvimento econômico brasileiro, para alcançarmos um PIB per capita mais elevado e rompermos o ciclo vicioso do subdesenvolvimento. Nesse sentido, o governo terá que criar políticas públicas robustas para apoiar as cadeias produtivas brasileiras para que o país tenha ainda papel de destaque no cenário internacional.

 

Nos anos 1990, que tipo de socorro ou medida foram necessárias para resolver a situação?

Na década de 1990, devido à concentração do governo e de seus instrumentos de política econômica em debelar a hiperinflação, não houve grande apoio ao setor industrial brasileiro. As empresas tiveram que buscar por conta própria alternativas para se manterem no mercado.

 

E agora? As medidas de estímulo anunciadas ao setor no ano passado pelo governador João Doria, muito comemoradas pelo empresariado, não estão surtindo efeito com a crise?

As medidas anunciadas pelo governador no ano passado foram importantes, porém, insuficientes e limitadas para a situação que estamos enfrentando neste momento. Nesse sentido, o governo estadual terá que estruturar outras medidas que possam favorecer a geração de empregos nas cidades paulistas e a recuperação da economia, como um robusto programa de frentes de trabalho, crédito do Desenvolve SP, apoio a empresas, entre outros. O governo federal tem também implementando diversas medidas fiscais e monetárias para amenizar os efeitos da crise na economia. Dessa forma, o foco deve ser trabalhar de forma articulada: governo federal, estadual e municipal em conjunto com empresas, instituições locais diversas e comunidade. Todos devem trabalhar em sintonia em busca da recuperação da economia local compartilhando ideias, tecnologias, projetos, recursos, infraestrutura etc. Esse ecossistema empreendedor e produtivo local pode ao final da crise sair mais fortalecido e preparado para os desafios do Pós-Covid 19.

 

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