Nílson Faria
LIBERDADE IDEOLÓGICA E DE CRENÇA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Há um certo recrudescimento das liberdades ideológicas e de crença, amparados por intolerâncias, desinformações e empatias com os semelhantes, simplesmente por ostentarem entendimentos diversos, mesmo sendo o Brasil um País laico.
Existem exemplos extremados e equivocados de ideologia, conforme recentes publicações nesse espaço, em que uma colaborada de hospital, por exemplo, preferiu perder o emprego a tomar vacinas e um empregador a receber pesadas multas, mantendo-se fiel à postura incrédula de prevenções ao covid.19.
Em uma sociedade plural e democrática convivem concepções ideológicas e de crenças distintas, assegurando a cada indivíduo o direito de abraçar as ideias e crenças que entenda adequadas para sua visão de mundo; direito assegurado pela Constituição Federal.
Pois bem, não há dúvida de que o direito à liberdade ideológica e de crença ou religiosa também tem incidência no âmbito das relações de trabalho, observando-se o poder de mando e de gestão do empregador.
Não é permitido ao empregador, por exemplo, convocar trabalhadores para participar de cultos vinculados a certa religião, a contratar ou demitir exclusivamente aqueles que professem certa fé religiosa ou que estejam ou não filiados a determinado sindicato ou partido político, uma vez que tal medida afrontaria o direito à liberdade ideológica e de religião, assegurados pela Constituição Federal.
É legitima a exigência de certos padrões de vestimentas de colaborares, sem afrontar o seu direito à liberdade, desde que a exigência tenha fundamento em determinados tipos de cargos e atribuições a serem desempenhadas no âmbito da empresa, sem violação do direito individual.
Ainda, como todo direito, a liberdade ideológica ou de crença não é absoluto, como foi banalizado por diversos seguimentos, encontrando limites no interesse público da sociedade e nos parâmetros da Constituição Federal.
Os direitos às liberdades são minimizados frontalmente em se tratando de organizações de tendências, que são aquelas dirigidas a fins políticos, sindicais, religiosos e similares que pressupõem a adoção a certa ideologia ou concepção de mundo.
Colaboradores dessas organizações tem a obrigação de não adotar um proceder contraditório ou incoerente com a finalidade das mesmas, o que implica afirmar que deve omitir, inclusive fora dela, toda conduta comprometedora desse ideário, o que está na base do próprio contrato de trabalho e decorre também do dever de lealdade que deve nortear a relação de trabalho.
Assim, no âmbito das chamadas empresas de tendências o colaborador pode sofrer alguma limitação e/ou contemporizações no direito à liberdade ideológica e crença, observando-se que eventuais discriminações não estão excluídas do amparo da Constituição Federal e das Convenções da Organização das Nações Unidas (ONU/OIT).
Enfim, mesmo nas organizações de tendência, é garantido ao colaborador o direito à liberdade ideológica e crença, apenas o exercício concreto desse direito é mitigado pelo seu ideário, sendo que a limitação não pode anular o próprio direito, cujo núcleo essencial, como todo direito constitucional, deve sempre ser preservado, cabendo ao Judiciário, eventualmente, analisar casos concretos e solucionar colisão entre os direitos à liberdade ideológica e de crença e a liberdade de empresa, todos protegidos pela Constituição Federal.